Projeto escavação arqueológica – dia 9
Hoje, cavoucando, tive uma agradável surpresa. Encontrei um velho arquivo do qual nem lembrava mais, que leva o nome de tonha_apedra.doc
Ano: do século passado.
Volume de texto: 2 pgs de Word de um conto que abandonei no meio.
Propósito: Não sei por que escrevi isso. Deve ter sido uma tentativa de conto para a Folhinha.
Ação: deixar onde está.
Coragem para mostrar aqui: Sim, eis:
Tonha, a pedra
Ela era geladinha e amarela.
Uma lagartixa?
Não, não era lagartixa. Era geladinha, amarela e redonda.
Uma bola de sorvete de milho?
Também não. Geladinha, amarela, redonda e dura.
Uma dentadura que passou a noite no congelador?
Errou de novo. Vou dar a última chance. Geladinha, amarela, redonda, dura e pré-histórica.
Uma tartaruga albina esquimó?
Chegou perto.
Ela era uma pedra. Seu nome era Tonha. Ela vinha se desenvolvendo, grãozinho por grãzinho, com toda a paciência do mundo, desde o tempo em que os dinossauros caminhavam pelo nosso planeta. Ou seja, era velha pra dedéu. Durante os últimos milhares de anos Tonha viveu apoiada na ponta de uma estalactite, dentro de uma caverna e nem nome ela tinha. Ela também andava muito desatualizada. Não sabia, por exemplo, que os dinossauros já tinham morrido e que agora existia uma espécie de duas pernas, com cabelos no topo da cabeça. Tudo isso ela descobriu na semana passada, durante um tremor de terra.
De repente a caverna inteirinha estremeceu, estalactites se desprenderam do teto e estalagmites tombaram no chão. Muitas pedras rolaram, espatifando-se no caminho e entrando em movimento, depois de uma vida toda de estabilidade e tédio. No meio dessa confusão Tonha também pegou embalo e rolou, rolou, rolou, até que atravessou a entrada da caverna e alcançou a luz do dia. Foi a primeira vez que um raio de sol relou na sua superfície amarelada. Imagine a emoção. Quer dizer, emoção para nós. Tonha não sentiu nada. Continuava sendo uma pedra como outra qualquer. Mas o seu destino estava prestes a mudar quando um sabido homo sapiens a pegou na mão e exclamou:
– Caramba!
Ele ajeitou os óculos e puxou uma lupa do bolso do seu colete cáqui de geólogo profissional, com três bolsos de cada lado, alguns pelo lado de dentro, inclusive, sendo que os bolsos do lado de fora eram de três modalidades, um com zíper, um com velcro e um com uma redinha no lugar de tecid. Foi lá que ele depositou nossa querida pedra e seguiu trabalhando com seus instrumentos.
Seu nome era Pedro Ivo. Ele era recém-formado e aquele era seu primeiríssimo trabalho em campo, portanto estava bastante empolgado com seus afazeres. Pensava consigo mesmo “nem acredito que estão me pagando para fazer isso”, pois aquilo mais parecia uma brincadeira dos seus tempos de criança, com a diferença que agora tudo era de verdade. Ele estava num país estrangeiro, no meio de um vale e de vez em quando uma iguana tricolor passava sorrateira, espiando de rabo de olho. Seus instrumentos incluíam uma mini-vassoura de dez centímetros, uma lixa de metal, a já citada lupa, além de uma caixa, parecida com caixa de ferramentas, onde ele guardando seus achados.