A artesã
A segunda ex-pupila de Morgana se chamava Flora. Morava numa cidadezinha sem graça, afastada do mundo. Fazia bonecas de palha. Ganhava uma miséria. Vivia perfeitamente bem. Seus gastos eram mínimos.
Aos 55 anos, Flora ficou viúva. Seus três filhos viviam no exterior. Dois nos Estados Unidos e um no Canadá. Não queriam nem saber de voltar ao Brasil. Visitavam-na no Natal. Insistiam para que ela fosse morar em Manhatan, imagine… Flora não se via em Manhatan, muito menos em Toronto.
Confeccionando bonecas de palha ela entrava num estado de introspecção que era puro deleite. Um dia, estava trançando um chapeuzinho do tamanho de um biscoito, quando a bruxa Morgana passava pela região. Morgana, com seus trezentos e cinquenta anos de idade, tinha adquirido poderes singulares, até mesmo para uma bruxa. Ela conseguia incorporar em objetos inanimados. Bonecas, por exemplo. Morgana não resistiu. As bonecas eram tão graciosas, e ela tinha saudades de Flora, de quando Flora era menina.
Flora quase enfartou. Chamou a benzedeira local e mostrou a boneca possuída. Claro que Morgana ficou bem quieta diante da benzedeira. Esperou que ela fosse embora e daí, sim, saltou da prateleira e foi tirar satisfações com sua velha pupila.